Catarse, por Caio Coletti

Triste. Como se cada molécula do meu corpo gritasse por mais liberdade e cada respiro fosse demais para encher meus frágeis pulmões. O mundo gira imprevisível, uma tela misturada de preto e branco e colorido que não consigo entender. Nada faz sentido. Me sinto mal, insignificante, um grão de areia em uma praia vasta e deserta cercada pelo mar morno. E, o pior, sei que estou certo. Mas sei que não deveria estar. Ou simplesmente não deveria saber. Egoísmo grita em alguma parte pequena e escondida de minha mente, como uma voz que precise ser ouvida. As teclas do piano se misturam com elas. Algo me faz falta, olho para o lado e escuto o silêncio como se a procura de alguma coisa. A vida nada me oferece para procurar. Contemplo o nada, o vazio, as horas sem sentido que passei pelos meus dias. Não sei se valeu a pena. Não sei se um dia vai valer. Como já disse alguém a tempo demais pelos quais as palavras passam inertes, só sei que nada sei. E assim que deve ser.

O vento me leva como um guia e eu resisto com os pés no chão. Passos vacilantes contra corrente. Tento ser o que não vejo a meu redor para contemplar tudo o que me rodeia. Tenho que ser tudo então, transformamos o mundo em um vazio completo. Não é fácil. Ando pelas ruas e vejo e escuto demais. Nada que fique na memória, nada que marque e nenhuma visão que emocione. De repente, outros mundos parecem melhores que esses. Mundos em que tudo possui algum significado e em que a imprevisibilidade é garantida. Mundos em que cada palavra adquire um significado pleno. Não é assim aqui fora. Não é assim aqui dentro. O que irradia de meu corpo não é beleza ou significado, é banalidade. Sem quem está a minha volta, não sou ninguém. Ou melhor, sou, mas sou apenas um. Um mísero e fraco ser humano tentando entender e desafiar o vazio. Nada mais assustador. Nada menos objetivo e nada menos desolador. O mundo entra em catarse e de repente vem a calmaria. Quase como se estivéssemos acostumados com isso.

Não faz sentido. Nunca achei que faria. Mas, afinal, é a vida. Essa suja e enferrujada viagem que nos leva do mais alto dos céus ao mais profundo dos infernos sem ter significado nenhum. Sem precisar de um. Sem precisar de mim. Eu sou dispensável, nós somos o que faz da vida... vida. Simples, brilhante, radiante, um sorriso que nasce no meio do nada e é capaz de provocar luzes mais lindas do que aquelas que você verá a noite. Não há um porque, uma definição, uma rigidez. Simplesmente é assim. Uma catarse sem motivo e sem perdão. E não há nada mais sublime.

A vida não passa de uma história cheia de som e fúria contada por um louco significando… nada” – William Shakespeare

 por do sol

3 comentários:

Cuidado, Coletti: como um velho amigo alemão me dizia em noites ruins como a por que vc parece ter passado, quando se olha demais para um abismo, o abismo também olha de volta.

Mas se vale um pensamento que sempre me achava no "mais profundo dos infernos" é que a dor constrói os degraus que nos levam ao céu. Parte natural da vida, parte necessária e desejável da vida.

http://o-quasar.blogspot.com/

Normalmente, quem nos joga nesta situação normalmente não vale nada.
Infelizmente até que a dor passe e o ferimento cicatrize, leva-se um tempo cruel que parece que todo sofrimento só faz crescer.

Este é um dos textos mais introspectivos do Caio, além do texto, o que sempre admiro é a sua escrita, muito além do que lemos por aí. Parabéns por esse lindo texto.

Abraço!

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O Conto do Galo é um blog de contos, crônicas, reflexões e opiniões, mas não é o blog de uma só pessoa. A proposta principal aqui, para além de publicar meus próprios textos, é dar a chance a quem tem talento de ganhar um pouco mais de visibilidade, mesmo que essa pessoa já tenha um certo número de pessoas que conhecem seu trabalho. Publicar textos, dando o devido crédito, a gente que merece esse espaço para se expressar. É um espaço livre para opiniões, dissertações e tudo o mais. Espero contar com o apoio de todos vocês nessa nova empreitada!

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