Todo o tempo do mundo, por Caio Coletti
Quando o escuro caía, ironicamente, as luzes se apagavam e as estrelas brilhavam absolutas em seu pavilhão negro aveludado. O silêncio reinava, mas ela podia ouvir os ecos das músicas que estouravam nas casas noturnas da cidade que dormia. Ao menos em parte. Podia ouvir, também, frases desconexas das conversas entre os jovens que se aglomeravam nas portas das boates, enquanto passava célere por elas.
Queria se juntar a eles, mas tinha medo. Medo que as lembranças que a fizeram sair de casa tão desesperada soassem fortes, altas demais. Medo de desabar, de perder o controle, medo de que o próprio medo a dominasse. E temia a própria noite, seus habitantes escuros, desconhecidos, despreocupados, descompromissados. Pessoas sem uma bengala para se apoiar. Sempre fora tão diferente deles, tão insegura de si mesmo. Ao mesmo tempo, ansiava por descobrir aquele mundo novo.
Diminuiu o passo diante de uma nova boate. O som mais discreto desta agradava a seus ouvidos pouco treinados. Apenas um casal aguardava a porta, abraçados, enfrentando o frio que açoitava a pele de quem ousasse desbravar aquelas ruas. Juntos, assim, pareciam felizes. Ela, passando a frente da cena, hesitou, freou o próximo passo de sua caminhada apressada, parou e não fez mais do que observar. Seus olhos contemplaram aquela face sorridente se voltar a da sua companheira, e seus ouvidos tão desacostumados ao ar da noite ouviram aquelas palavras.
- Hoje vai ser uma noite e tanto...
- Temos tanto tempo assim? – ela parecia preocupada, mas algo na expressão dele a fez abrir um sorriso. Ele checou o relógio rapidamente em seu pulso. Meia-noite.
- Todo o tempo do mundo. – justamente as palavras que elas, as duas, precisavam ouvir.
O casal sorriu em sintonia, radiantes, e ela não pôde deixar de fazer o mesmo. Daquela vez não houve hesitação, insegurança. Pela primeira vez na vida ela tinha certeza absoluta do que estava fazendo. Parada em frente a porta, ela pensou por uma fração de segundo antes de girar os calcanhares em meia-volta e se juntar a espera para entrar na casa noturno. Ao que parecia, sua noite de sorte acabara de começar.