A Dama do Tempo, por Vinícius “V” Cortez
Quando a dama do tempo o prendeu em cadeias e o jogou numa gaiola suspensa, admirou por um instante (infidistante) a sua obra, girando por entre os dedos uma chave de ouro. Porque ela era belíssima, a sua obra; ainda mais agora, trancada, rendida à sua contemplação.
Contemplou-a portanto o tempo que podia – e, como nunca ele, o tempo, lhe faltava, viu a criaturinha enjaulada crescer em tamanho e em inquietação: pois parecia que nada crescia tanto naquele corpo prisioneiro como os olhos e a testa. A boca, já cheia de dentes, ao se abrir em contorções forçava a dama a se levantar depressa do seu lugar e a erguer a chave chave ao ferro da gaiola, circundando-a acompanhada pelo som de uma cantiga metálica: tin, tin, tin... – e era sempre observada pelo olhar sedento da criaturinha, que vez ou outra alongava os braços, como a tentar apanhar a chave dourada.
A dama ia girando e girando ao som de sua canção, até que um dia não foram os gritos nem olhares famintos nem contorceres de mãos que a surpreenderam na sua dança: simplesmente não houve resposta.
Foi ela então quem gritou, esperneou, sacudiu a gaiola, apoiada em suas barras – inutilmente, a criatura não se mexia. E foi ela então que abriu a portinhola, puxou pela perna seu brinquedo, tapeou seu rosto, arranhou sua barriga, puxou seus cabelos brancos, mas nada disso funcionou; resolveu finalmente chegar seu rosto ao da criatura e assim a escutou dizer baixinho, baixinho:
- Tic-tac, tic-tac, tic...
Isso a dama não podia aceitar. Colérica, ela arrancou o seu brinquedo (ou o que restava dele) para fora da jaula e entrou ela mesma, trancando-se com a chave de ouro e a engolindo em seguida. Dizem que ainda hoje, quando não há lua no céu, mas apenas muitas memórias, alguns veem a dama balançando tristemente em sua prisão, sem descanso – porque nunca ele, o tempo, lhe falta.
Já eu com os meus próprios olhos nada vi, mas tenho certeza de que, se pudesse chegar a essa sala onde está trancada a dama do tempo, seria recebido por uma batida conhecida, bem hipnótica, ecoando pelas paredes:
- Tic-tac, tic-tac...
Vinícius Cortez, ou simplesmente V, é autor do blog O Quasar, onde publica contos, pensamentos e reflexões sobre nossa vida cotidiana. A partir de hoje, é também o terceiro dos colaboradores externos a entrar para a lista do Conto do Galo.
4 comentários:
Gostei daqui!
A menina do balaio, consegui imaginá-la completamente embaixo do eucalipto... A catarse foi simplesmente fantástica! A que eu mais gostei sinceramente.
E a dama do tempo...bom as coisas mudam, o caçador vira a caça... Enfim, está ótimo!
Quanto ao teu comentário no meu blog, concordo! O que tu falou sobre todos nós termos esse "desejo indiscreto de saber", acho que faz parte da capacidade de apesar do tempo, continuar a se admirar com as coisas.
Conversaremos!
Abraço
Já acompanho os textos do V faz um bom tempo, é muito bom vê-lo participando dessa bela iniciativa que é o "O Conto do Galo". Parabéns amigo!
Nossa que template bonito! Gostei da postagem!!! Sucesso!
Abraços!
http://neowellblog.wordpress.com
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