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O primeiro post do Conto do Galo data do dia 02 de Junho desse ano, contendo os detalhes sobre a proposta do blog, que se comprometia a publicar textos de colegas blogueiros ao lado dos meus próprios, tudo através da correspondência por e-mail para o ce.coletti@hotmail.com. Era uma proposta que queria mostrar o quão criativa pode e deve ser a blogosfera, para mostrar que havia coisas boas em meio a um mar de mesmice.

 

Foram-se três meses, o blog mudou de template e ganhou a adição de vários colaboradores, aos quais sou sempre profundamente grato, mas a porposta ainda era a mesma no último post, um texto de minha autoria que marcava a primeira formação de uma série de histórias dentro do blog. Mostrar que novidade e talento tem espaço nesse mundo estranho dos blogueiros foi a missão que foi cumprida e continuará a ser.

 

Pois bem, valeu a pena. Coloquei textos meus e de outros a prova com a esperança de que fossem notados, e vocês responderam a altura. Como foi bom ler seus comentários. Fiz amigos por causa desse blog, criei contatos que não podem e não vão se perder apenas porque essa parte da minha vida de blogueiro está chegando ao fim. Esses são os últimos parágrafos que serão publicados no Conto do Galo, e ainda assim me recuso a achar que estou me depedindo de alguma coisa. Porque a missão ainda continua.

 

O Anagrama é o nome do blog onde estarão a partir de hoje reunidos meus meus textos, somados a outros assuntos que são do meu interesse e, eu espero sempre, do seu também. A proposta continua de pé para os autores associados ao Conto do Galo, para continuarem a mandar seus textos, que serão publicados no Anagrama. A nossa conversa não termina por aqui. Nos vemos, sempre.

 

As melhores leituras para todos vocês e até mais!

- “A cicatriz não incomodara Harry nos últimos dezenove anos. Tudo estava bem” – As Relíquas da Morte (J.K.R.)

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Memento Mori - Um prelúdio para "De Volta" - Parte I, por Caio Coletti


Lá fora, a escuridão era absoluta. Mesmo a luz das estrelas parecia apagada aos olhos dele, que procuravam incessantemente por uma nova razão para brilhar. Sozinho, sem rumo, sem destino e sem expectativas. Não havia nada além dele e aquele imenso vácuo que se estendia para o infinito do outro lado do vidro da nave que o levara para onde sempre quisera estar. Vivera uma vida para chegar aquele lugar, desbravando o que ninguém mais conhecia, e agora era capaz de entregar a sua para voltar para casa. Mas não podia. Não mais.

 

Como fora tolo, passando pelo ponto definitivo com a cabeça erguida e os pensamentos em glórias futuras, esquecendo-se do passado que deixou para trás e não assimilando o fato que, se seu nome seria colocado nos livros de história da Terra, ele não estaria lá para lê-los. De repente, a recompensa que era doce se tornou amarga. Aquele não era mais o seu lugar, queria estar ao lado de quem amava de verdade e não contemplando aquela escuridão infinita. Agora era Dorothy, levado para longe por um furacão de equívocos, mas não havia nenhuma estrada de tijolos amarelos para seguir, tampouco um mágico para encontrar no fim do caminho. Não bastava dizer que "o melhor lugar do mundo é o nosso lar". Não para ele, ao menos.


Estava condenado a morrer ali, sozinho, sem a oportunidade de se despedir ou pedir desculpas, sem o momento de redenção que era direito de todo o ser humano. Ele vira filmes o bastante para ter idealizado seu momento final. Mas agora não via nada disso acontecendo. Nem no presente, nem no futuro. Talvez fosse melhor apenas acabar logo com o sofrimento. Complementar o escuro do espaço e se tornar a peça de vida inútil que já era há algum tempo. Vagando sem esperança, sem vontade e sem destino. Tentara descobrir os enigmas do universo, e agora seria engolido por eles, sem sequer entendê-los. Chegava a ser poético, simbólico. Se apenas alguém naquele planeta pequeno ficasse sabendo. Pior do que morrer sem terminar sua missão, ele morreria ainda sem poder dizer ao mundo que não valia a pena. Quantos mais se perderiam como ele?


Uma lágrima rolou daqueles olhos frios. Solitária como o homem do qual havia saído, manchando um rosto tomado por melancolia incurável. Ele, mãos tremendo dentro do traje branco, estendeu o braço para uma arma comum, que descansava no banco vazio do co-piloto. Aquilo não deveria estar ali, mas ele tinha experiência o bastante para conhecer as falhas na segurança da NASA. Não sabia porque a trouxera, mas agora via o quanto podia lhe ser útil. Examinou-a por um momento, checando o cartucho e vendo a dezena de balas ali alojadas. Apenas uma seria o bastante. Apontou o cano para a cabeça, agora tremendo incontrolavelmente. Fechou os olhos para segurar as lágrimas que queriam sair. Se ninguém saberia, ao menos ele morreria como um homem. Sempre achara essa convenção uma besteira imensa. Agora, via o quanto um pouco de dignidade fazia bem para um homem a beira da morte.


Aos poucos, começou a puxar o gatilho da arma, os olhos fixos no horizonte escuro lá fora, se perguntando mentalmente o que poderia haver aguardando-o para além daquelas e mais outras estrelas. Sonho antigo. Não fazia sentido agora. Nada fazia. Quase podia sentir o disparo. O escuro era sufocante. Era o fim. Ou não, talvez apenas o começo. Foi quase como um flash, quase como se estivessem tirando-lhe uma indigna e terminal foto, mas foi muito, muito mais forte. Luz, intensa e brilhante. Ele abriu bem os olhos, que queimavam. Apertou o gatilho. Lá fora, a nave sumia em um clarão, deixando a escuridão e as estrelas sozinhas em seu pavilhão.


CONTINUA...

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Bom, pessoal, essa é a primeira continuação para um texto aqui do blog que eu ouso escrever, para quem não conheceu o texto original está logo aí embaixo, então esperam que tenham gostado, mesmo porque eu deixei o final aberto para uma segunda e conclusiva parte desse prelúdio. Só preciso mesmo agradecer ao V, que me deu a idéia de continuar (ou esclarecer) essa história, me lemvou por um bom caminho. Enfim, portanto é só. Boas leituras para todos vocês. Ah, e aproveitem o layout novo!

De Volta, por Caio Coletti

 

Ele só queria sair dali. As paredes francas na sala fechada por vidros espelhados, uma discreta porta em um dos cantos, tudo lhe era familiar demais, pequeno demais. O que ele queria ver, sentir agora... era o mundo. Seu mundo. Depois de tanto tempo observando a escuridão do espaço, tudo o que ele poderia desejar era sentir o vento bater-lhe no rosto novamente. Mas não podia.

Lançou um olhar de esgueio para o grande espelho atrás do qual, ele sabia, os hipócritas da NASA discutiam seu caso. Mal pusera o pé em terra firme pela primeira vez em anos, fora informado que tinha “um problema de vida ou morte”. E, agora, lá estava ele, preso. Nem mesmo haviam lhe perguntado se ele desejava lutar contra aquele mal tão terrível que o atacara. Claro, não haviam visto o que ele vira, não haviam estado naquela nave, ao lado dele.

Fechou os olhos. Lembrou-se do Sol que quase o segara quando a porta principal da nave havia se aberto, pouco tempo atrás. Lembrou-se de seu abençoado calor. E, de repente, o sentia de verdade. Abriu os olhos, mas precisou de alguns minutos para efetivamente enxergar. O Sol brilhava forte para aquele admirável mundo novo. Partira já há tanto tempo que se esquecera do quão encantador era observar o sorriso daquelas crianças, que brincavam a sua frente. Daqueles casais que andavam de mãos dadas e trocavam confidência. Era um mundo perfeito. Demais.

Tentou puxar o ar e não conseguiu. Olhou para baixo a tempo de ver uma gota de algo estranho caindo da ponta de seu dedo estendido para o chão. Sentiu a pele inconsistente, como se prestes a se desprender da carne. Estava derretendo. Foi capaz de sorrir, apesar de tudo. Afinal, estivera de volta, ainda que por breves momentos. Levantou o rosto para o Sol. Fechou os olhos.

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No infinito silêncio, por Bruno

Todos os dias somos presenteados com uma festa de acontecimentos a nossa volta que não pedem nenhuma atenção - um evento de cores, luzes e silêncio. A despedida melancólica do astro soçobrando a oeste do horizonte e perdendo para a escuridão o seu lugar de destaque na imensidão. A penumbra elegante, a noite arrebatadora. Incautos e negligentes deixamos de observar esse espetáculo soberbo.

Pois quando procuramos entender apenas a nós mesmos, tendemos a subestimar nosso valor; ao ignorar a Natureza, estamos, de certa forma, predestinados à Inércia. É hora de pensar como os gigantes.

Silêncio dos astros

Nietzsche contemplou por muito tempo "esse ruído fúnebre e insensato, mas suave, na encruzilhada do dia e da noite". No lamento de Zaratustra, imerso em um desejo de calúnia, profanando de modo enfático os fenômenos e a maneira como eles agem: "O silêncio de todos aqueles que brilham! Falam com a luz, mas para mim ficam silenciosos." De fato, o homem é subjugado pelo silêncio em que ocorrem as grandes transformações naturais do mundo, quando não, suas cores não deixam de espantar.
Deparar-se com os sons percorrendo os vastos espaços, a amplidão que é o mundo, o que é infinito ao nosso alcance, chamou a atenção do poeta Giacomo Leopardi. Imagem forte como a do poeta italiano gritando desvairadamente, clamando por misericórdia à Natureza, não alcançaria tamanha expressão senão mediante a redenção do homem ao infinito: o que não é possível ser tocado.

Leopardi e Nietzsche têm algo em comum: a veneração pela quietude, pelo brilho dos astros, as cores do pôr-do-sol ou a mudança das estações. Em Aurora, mais precisamente no aforismo "O grande silêncio", Nietzsche descreve as alternações de cores e a "palidez cintilante do mar" como "um eterno e mudo jogo do crepúsculo" e, segundo ele, sua imensidão é comprovada quando "não pode falar" (uma provocação nietzschiana?). Leopardi, por sua vez, não se contém diante o "sussurrar do vento", descrito nos versos imortais de "O Infinito". O que impressiona o poeta não é a exibição de cores do crepúsculo ou da aurora: a Natureza parece mais inebriante quando emite sons misteriosos, contando com o auxílio dos ventos para sua melhor dispersão - seja do sussurrante ou do inaudível -, o silêncio, sorrateiro entre a brisa, é arrebatador.

Entre os abismos gigantescos, que com o capricho da Natureza engoliu os oceanos e abandonou um legado de profundezas obscuras, é possível ouvir as lamentações de Eco, rejeitada por Narciso. Assim como a deusa punida, definhamos lentamente, vísceras transformam-se em sopro, - a voz que repete os sons incessantemente por entre as paredes imensas e planícies rochosas -; perto de nós, um brado, nossas cordas vocais, um acalanto. Para explicar um mito, recorremos ao belo e inesgotável, para explanar os homens, basta uma reminiscência tardia.

Belas divergências

A postura dos dois diante os fenômenos diferem muito. Leopardi se entrega: primeiro um fascínio, depois a integralização. Sua dor, em sua complexidade, cruza com os eventos naturais e tornam-se únicos: seu desespero inicia uma metamorfose: converte-se em poema, presente em tudo, imanente, elemento natural. O poeta encara a magnitude - a imensidão do mundo - como um pensamento, exatamente onde reside a beleza poética leopardiana: Tudo é dor. E sofrimento, pessimismo e vacuidade são castigos por sermos tão míseros e fugazes; - "as estações mortas" nos mostram a pérfida verdade: resta ao homem diminuto em sua essência, curvar-se aos fenômenos - no mais, integralizar-se a eles. O último verso do "O Infinito" exprime a sensatez poética, a nobreza diante do que nos é impossível:

É doce naufragar-me nesses mares

Mas eis que vem Nietzsche, a passos firmes, com o dedo em riste e bravejando sua vontade de poder, com um escárnio redimido ao que é gigantesco. Aos berros, proclamando ao entardecer e o mar: "Ensina o homem a deixar de ser homem! Ele deve se abandonar a vocês? Deve tornar-se como vocês são agora, pálidos, cintilantes, mudos, imensos, repousando em si mesmos? Deve elevar-se a si mesmo?" - o pensamento de Nietzsche é grandioso demais para contentar-se com o mísero corpo humano, é preciso transcender essa sabedoria ao infinito.

Mas aqui está a diferença de pensamento entre Nietzsche e Leopardi: o filósofo, provocador que é, lança um insulto às forças devastadoras, não esconde o desejo de aprender com tamanho movimento. O poeta, resignado, vê a si mesmo como parte dessa força, percebe-se como movimento: dor e desespero em eterna continuidade com o mundo - sentimentos fazem parte desse eterno porvir.

O sol se põe

Digno é quem se viu como parte indivisível do mundo - alegria e dor contrastando com o eterno e ininterrupto porvir. Pois "o que é eterno", como diria Nietzsche, "o mar os traz de volta". E o dia volta espantando as trevas, "(...) e o Sol nascente" vem intrépido "com seus trêmulos raios (...)", e tudo acontece em absoluto silêncio.

mar 2

Bruno é autor do blog Temporário, onde fala sobre si mesmo, sobre história, poesia, filosofia e publica seus textos se ficção, sempre reflexivos e embasados. É sua segunda colaboração para o Conto do Galo.

 

A Dama do Tempo, por Vinícius “V” Cortez

Quando a dama do tempo o prendeu em cadeias e o jogou numa gaiola suspensa, admirou por um instante (infidistante) a sua obra, girando por entre os dedos uma chave de ouro. Porque ela era belíssima, a sua obra; ainda mais agora, trancada, rendida à sua contemplação.

Contemplou-a portanto o tempo que podia – e, como nunca ele, o tempo, lhe faltava, viu a criaturinha enjaulada crescer em tamanho e em inquietação: pois parecia que nada crescia tanto naquele corpo prisioneiro como os olhos e a testa. A boca, já cheia de dentes, ao se abrir em contorções forçava a dama a se levantar depressa do seu lugar e a erguer a chave chave ao ferro da gaiola, circundando-a acompanhada pelo som de uma cantiga metálica: tin, tin, tin... – e era sempre observada pelo olhar sedento da criaturinha, que vez ou outra alongava os braços, como a tentar apanhar a chave dourada.

A dama ia girando e girando ao som de sua canção, até que um dia não foram os gritos nem olhares famintos nem contorceres de mãos que a surpreenderam na sua dança: simplesmente não houve resposta.

Foi ela então quem gritou, esperneou, sacudiu a gaiola, apoiada em suas barras – inutilmente, a criatura não se mexia. E foi ela então que abriu a portinhola, puxou pela perna seu brinquedo, tapeou seu rosto, arranhou sua barriga, puxou seus cabelos brancos, mas nada disso funcionou; resolveu finalmente chegar seu rosto ao da criatura e assim a escutou dizer baixinho, baixinho:

- Tic-tac, tic-tac, tic...

Isso a dama não podia aceitar. Colérica, ela arrancou o seu brinquedo (ou o que restava dele) para fora da jaula e entrou ela mesma, trancando-se com a chave de ouro e a engolindo em seguida. Dizem que ainda hoje, quando não há lua no céu, mas apenas muitas memórias, alguns veem a dama balançando tristemente em sua prisão, sem descanso – porque nunca ele, o tempo, lhe falta.

Já eu com os meus próprios olhos nada vi, mas tenho certeza de que, se pudesse chegar a essa sala onde está trancada a dama do tempo, seria recebido por uma batida conhecida, bem hipnótica, ecoando pelas paredes:

- Tic-tac, tic-tac...

Vinícius Cortez, ou simplesmente V, é autor do blog O Quasar, onde publica contos, pensamentos e reflexões sobre nossa vida cotidiana. A partir de hoje, é também o terceiro dos colaboradores externos a entrar para a lista do Conto do Galo.

Catarse, por Caio Coletti

Triste. Como se cada molécula do meu corpo gritasse por mais liberdade e cada respiro fosse demais para encher meus frágeis pulmões. O mundo gira imprevisível, uma tela misturada de preto e branco e colorido que não consigo entender. Nada faz sentido. Me sinto mal, insignificante, um grão de areia em uma praia vasta e deserta cercada pelo mar morno. E, o pior, sei que estou certo. Mas sei que não deveria estar. Ou simplesmente não deveria saber. Egoísmo grita em alguma parte pequena e escondida de minha mente, como uma voz que precise ser ouvida. As teclas do piano se misturam com elas. Algo me faz falta, olho para o lado e escuto o silêncio como se a procura de alguma coisa. A vida nada me oferece para procurar. Contemplo o nada, o vazio, as horas sem sentido que passei pelos meus dias. Não sei se valeu a pena. Não sei se um dia vai valer. Como já disse alguém a tempo demais pelos quais as palavras passam inertes, só sei que nada sei. E assim que deve ser.

O vento me leva como um guia e eu resisto com os pés no chão. Passos vacilantes contra corrente. Tento ser o que não vejo a meu redor para contemplar tudo o que me rodeia. Tenho que ser tudo então, transformamos o mundo em um vazio completo. Não é fácil. Ando pelas ruas e vejo e escuto demais. Nada que fique na memória, nada que marque e nenhuma visão que emocione. De repente, outros mundos parecem melhores que esses. Mundos em que tudo possui algum significado e em que a imprevisibilidade é garantida. Mundos em que cada palavra adquire um significado pleno. Não é assim aqui fora. Não é assim aqui dentro. O que irradia de meu corpo não é beleza ou significado, é banalidade. Sem quem está a minha volta, não sou ninguém. Ou melhor, sou, mas sou apenas um. Um mísero e fraco ser humano tentando entender e desafiar o vazio. Nada mais assustador. Nada menos objetivo e nada menos desolador. O mundo entra em catarse e de repente vem a calmaria. Quase como se estivéssemos acostumados com isso.

Não faz sentido. Nunca achei que faria. Mas, afinal, é a vida. Essa suja e enferrujada viagem que nos leva do mais alto dos céus ao mais profundo dos infernos sem ter significado nenhum. Sem precisar de um. Sem precisar de mim. Eu sou dispensável, nós somos o que faz da vida... vida. Simples, brilhante, radiante, um sorriso que nasce no meio do nada e é capaz de provocar luzes mais lindas do que aquelas que você verá a noite. Não há um porque, uma definição, uma rigidez. Simplesmente é assim. Uma catarse sem motivo e sem perdão. E não há nada mais sublime.

A vida não passa de uma história cheia de som e fúria contada por um louco significando… nada” – William Shakespeare

 por do sol

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Amor, tirano amor, por Bruno

Todos zanzavam e sussurravam pela sala de jantar. Como baratas tontas que não encontram uma direção certa. Procuravam a melhor maneira de informar ao seu líder um acontecimento terrível.

A governanta chama por sua ama pela manhã. Preocupada após inúmeras batidas na porta e nenhuma resposta vinda do quarto, ela provavelmente força a fechadura e encontra o corpo no chão, com uma arma caída ao seu lado e o rosto levemente virado para a direita em meio ao sangue. Apavorada, corre em direção aos poderosos do Império informando-os da tragédia. Aqueles homens parrudos, munidos de mausers esbanjando segurança, agora tremiam as pernas.

De repente todos se silenciam. Um sujeito baixo adentra o cômodo. É Joseph Stálin, líder supremo da União Soviética, o Comissário do Povo que dormia no quarto ao lado, o motivo da apreensão daqueles que ali estavam. Foi Ienukidze, seu velho amigo, que lhe deu a notícia quase num súbito desesperado: "Ióssif, Ióssif, Nádia está morta!". Nádia era a esposa de Stálin que havia se suicidado horas antes no seu quarto.

O homem de aço

Aquele homem com "olhos negros brilhantes", com marcas de varíola no rosto, e o braço esquerdo quase paralisado pela vida clandestina de agitador marxista e gângster georgiano, era o responsável direto por 25 milhões de mortes causadas por sua política de colheita na Ucrânia e os expurgos que fuzilaram seus antigos amigos bolcheviques num surto de paranóia sem precedentes. Com as costas curvas, como se suportasse o peso do mundo, em meio a ataques de raiva contra seus próximos e sentimentos de culpa que beiravam o desespero, o homem de aço caiu em profunda tristeza. Em suas mãos estava a pistola que tirou a vida de sua esposa. Arrasado, murmurava ao observar seu corpo.

Nádia provavelmente não suportara conviver com Stálin, homem devotado à política e negligente à família que cultivava um egotismo sufocante àqueles que com ele conviviam. Nádia também não era mulher fácil de se dar, capaz de deixar o czar vermelho encolhido num canto do banheiro enquanto ela tinha mais um de seus ataques de raiva. Tempos atrás, foi a jovem esposa de Stálin, Kató, que sucumbiu diante a fraqueza com apenas 22 anos, deixando o futuro líder dos países socialistas sem rumo e despedaçado.

Há quem diga que essas duas tragédias forma cruciais para a vida de Stálin. Kató, sua primeira esposa, transformou seu coração em pedra quando faleceu; Nádia, por sua vez, fez com que após sua morte os "tempos felizes" no Kremlin chegassem ao fim. Stálin quer desistir de tudo, aquela fonte de energia inesgotável está moribunda, desejosa por um fim. "Não chore papai", disse Vassíli, filho de Stálin, ao segurar aquela mão que lhe deu pouco afeto e destruiu sua família por sua vida política.

Historiadores não gostam de uma leitura que aproxime os tiranos dos outros mortais, parecem se assustar com a proximidade de seus pensamentos com as ideologias que germinam na sociedade ou que reascendem com o passar do tempo. Quão simples aqueles desprovidos de humanidade. Seus atos terríveis contra seus povos estão longe de ser atribuídos a seres insensíveis ao sentimento das massas. Monstros são homens, e apresentam o lado mais obscuro que o fanatismo, tão próximo a nós, pode chegar. Numa longa estimativa, quando consentimos com homens dessa estirpe, também somos monstros.

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Bruno é autor do blog Temporário, no qual publica seus pensamentos e reflexões com sólidas referências históricas e poesia singular nas dissertações. É também, a partir de hoje, o segundo colaborador externo do Conto do Galo.

Menina do balaio, por Vinícius Neves

Ela andava tão tranquilamente.
Estava ali, na minha frente, talvez a uns cem passos de distância. Eu podia sentir o cheiro dos seus cabelos.
Seus vestido era branco, do mais puro algodão, cabelos castanhos e ondulados, a pele branca, nenhum traço em especial, era uma garota comum, simples, mas pra mim ela exalava algo que só meu coração soube sentir.

Ela andava e sorria, sorria e andava.
E eu a amava e a via, a via e amava.
Ela carregava um balaio no braço direito, e ia colhendo flores no meio do caminho, em direção à um grande eucalipto.
O vento soprava de leve sobre seu corpo delicado, e ela dançava descalça com ele, se emaranhando entre folhas e raios de um inicio de final de tarde.
Estava um clima gostoso, o sol tinha sido gentil em ceder apenas o calor necessário. Até hoje acredito que ele a fitava da mesma forma que eu.

Quando ela chegou perto do eucalipto, passou levemente seus dedos com carinho ao seu redor e sentou ao seus pés. Pensativa, dobrou o joelho sobre o peito e apoiou o braço esquerdo ali, deixando o balaio de lado, e apoiou o seu queixo em cima de sua mão esquerda, olhando o mais longínquo e profundo possível para o horizonte. Com um olhar distante abaixou o rosto entre as pernas e começou a soluçar em pleno pranto.
De onde eu estava, senti meu pé grudar firmemente no chão e o outro a querer seguir sua direção, em direção ao balaio, das flores, da sombra do eucalipto, dela.
Ela me viu com o canto do olho, enxugou as lágrimas, e me deu o sorriso mais lindo que eu já vira em toda a minha vida e me disse quando cheguei mais perto:

- As flores são pra lembrar que a felicidade é como elas, são belas, são agradáveis, podem morrer, mas sempre se pode plantar novamente. Quando olhei longe no horizonte, é pra lembrar que tenho um futuro inteiro pela frente. O eucalipto é meu lugar de descanso, aqui eu posso contar tudo pra ele, que ele não vai me julgar, não vai dar palpite, vai simplesmente estar do meu lado me dando sombra, às vezes é só disso que a gente precisa.
- E a dança?

Sorrindo a garota respondeu:
- A dança não tem um significado específico, eu poderia ir correndo e chorando até o eucalipto, mas preferi ir dançando e colhendo flores - que são como o amor; a dança foi só pra dar mais ênfase que mesmo com os problemas, ainda posso fazer da vida uma eterna e graciosa arte.

Vinícius Neves é o autor do blog A Vingança Sorridente do Jack, onde publica seus pensamentos, contos e textos em geral, e o primeiro colaborador externo do Conto do Galo.

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Todo o tempo do mundo, por Caio Coletti

Quando o escuro caía, ironicamente, as luzes se apagavam e as estrelas brilhavam absolutas em seu pavilhão negro aveludado. O silêncio reinava, mas ela podia ouvir os ecos das músicas que estouravam nas casas noturnas da cidade que dormia. Ao menos em parte. Podia ouvir, também, frases desconexas das conversas entre os jovens que se aglomeravam nas portas das boates, enquanto passava célere por elas.

Queria se juntar a eles, mas tinha medo. Medo que as lembranças que a fizeram sair de casa tão desesperada soassem fortes, altas demais. Medo de desabar, de perder o controle, medo de que o próprio medo a dominasse. E temia a própria noite, seus habitantes escuros, desconhecidos, despreocupados, descompromissados. Pessoas sem uma bengala para se apoiar. Sempre fora tão diferente deles, tão insegura de si mesmo. Ao mesmo tempo, ansiava por descobrir aquele mundo novo.

Diminuiu o passo diante de uma nova boate. O som mais discreto desta agradava a seus ouvidos pouco treinados. Apenas um casal aguardava a porta, abraçados, enfrentando o frio que açoitava a pele de quem ousasse desbravar aquelas ruas. Juntos, assim, pareciam felizes. Ela, passando a frente da cena, hesitou, freou o próximo passo de sua caminhada apressada, parou e não fez mais do que observar. Seus olhos contemplaram aquela face sorridente se voltar a da sua companheira, e seus ouvidos tão desacostumados ao ar da noite ouviram aquelas palavras.

- Hoje vai ser uma noite e tanto...

- Temos tanto tempo assim? – ela parecia preocupada, mas algo na expressão dele a fez abrir um sorriso. Ele checou o relógio rapidamente em seu pulso. Meia-noite.

- Todo o tempo do mundo. – justamente as palavras que elas, as duas, precisavam ouvir.

O casal sorriu em sintonia, radiantes, e ela não pôde deixar de fazer o mesmo. Daquela vez não houve hesitação, insegurança. Pela primeira vez na vida ela tinha certeza absoluta do que estava fazendo. Parada em frente a porta, ela pensou por uma fração de segundo antes de girar os calcanhares em meia-volta e se juntar a espera para entrar na casa noturno. Ao que parecia, sua noite de sorte acabara de começar.

Memórias de um ser urbano, por Iluá Delollo

Desde que me entendo por gente, me rendo aos encantos da noite. Nunca deixei de apreciar a hipnotizante luz do luar, o brilho tímido das estrelas, os sons quase inaudíveis e a atmosfera misteriosa. Durante algum tempo, vivenciei a vida noturna e fiz parte desta paisagem obscura. Encontrei pessoas com as quais me identificava e que também apreciavam esta beleza não compreendida.

Aos fins de semana, as reuniões tornaram-se indispensáveis, já que o objetivo de todos era a diversão. Nosso lema era aventura a qualquer custo. Não importava se subíamos em construções só para ver a cidade de outro ângulo, assistíamos ao nascer do sol de lugares diferentes a cada dia, ou se nos encontrávaos em um tabuleiro de Ouija. Para nós, não bastava sair nos lugares da moda e ampliar nosso círculo social, precisávamos conservar nosso espírito audaz, que muitos perdem após a infância. A felicidade consistia no prazer que as coisas simples da vida nos proporcionavam. Éramos um grupo tão unido que, muitas vezes, tínhamos uma enorme sensação de empatia. Foram bons tempos.

Esses bons tempos levaram a crer que a luz de cada um está em seu interior, independente dos elementos físico. Hoje, a velhice me traz a obscuridade interior, esperando que os anjos me levem aos céus e que a morte resgate o estado de espírito da juventude, voando por entre a escuridão.

 

Bom, pessoal, esse foi o terceiro texto do Conto do Galo… E aí, gostaram? Esse aqui é de uma outra grande amiga minha, que pode até mesmo entrar parao corpo de jurados para a publicação dos melhores textos. Bom, parâmetro para isso deu para perceber que ela tem, não? Bom, pessoal, por hoje é só isso mesmo… o melhor para todos vocês sempre e até mais!

A guerra na visão de uma guerreira, por Caio Coletti e Lucy Williams

Ela veio do alto. Não pode deixar de pressentir o desespero e a desolação que se espalhava por aquele eterno e fugaz campo de batalha. Não pode deixar de seguir o próprio instinto.

Andou tranqüilamente, sem conseguir sentir o frio da neve sobre seus pés descalços, passando entre aquelas duas trincheiras de inimigos que se enfrentavam sem saber, e sem se importar, com a razão pela qual disparavam aqueles tiros. Soldados defensores, cada qual de sua própria pátria, que batalhavam entre si, em vão, com incansável bravura e voracidade.

Estirados no chão, caídos sobre a cobertura branca da neve maculada por violência e pelo vermelho do sangue, os mortos eram os que mais descansavam naquele descampado. Haviam cumprido sua missão. Se sucumbiram ante a arma do inimigo é porque tiveram a coragem de sair da proteção e da companhia de seus colegas. Tudo em nome de uma guerra que agora, para eles, estava perdida.

Ela se limitava a observar, mais impotente a cada passo, vendo as balas perfurarem o ar para atingirem o nobre tecido sobre os peitos daqueles combatentes. Tiros frios, calculados, sem pensamento e, por isso mesmo, sem culpa. Armas perfeitas. No meio do caminho, na corrida desembaladas, soldados eram jogados para trás e se juntavam aqueles que já haviam se perdido em meio ao caos. Partiam para um lugar que, é claro, lhes parecia bem melhor.

Observando tudo isso de sua posição passiva e impotente, ela, a inexorável e inevitável morte, passava ilesa. E até mesmo ela, que de tudo já tinha visto, não pode suportar tamanho horror. Chorou.

 oooi 

Só lembrando: para quem quiser ter um texto publicado por aqui, basta mandá-lo para o e-mail ce.coletti@hotmail.com e os melhores serão com toda a certeza publicados. O melhor para vocês e até mais!

Valor simbólico, por Lucy Williams

Vela Acesa: A vela acesa tem como principal função a de iluminar e até de aquecer, mas ela é mais do que isso. A vela é como aqueles amigos que bem nas horas críticas e escuras da vida aparecem e nos esquentam, iluminando nosso caminho e nos ajudando a ver melhor no escuro, em direção à razão e à melhor saída.

Relógio: O relógio nos mostra as horas, mas mais do que isso ele tem mais uma função: ele nos lembra de que a vida não pára e de que por mais graves que tenham sido nossos erros, não podemos voltar no tempo para apagá-los ou concertá-los. Ele é inexorável e irrevogável, como aquela pessoa que não nos deixa esquecer nossos erros que nos obriga à seguir em frente, por mais difícil que seja.

Chinelos: Além de nos proteger os pés, os chinelos nos levam a lugares que nem imaginamos e nos protegem dos obstáculos e pedras que encontramos no caminho, exatamente como aquela pessoa que nos quer bem e que estará conosco não importa aonde vamos, sem nunca nos abandonar e nos machucar, mas com a consciência de que sofrerá com isso, já que terá que tomar nossos problemas como seus.

Abajour: Todos nós temos idéias, mas às vezes não sabemos com quem compartilhá-las. É aí que encontramos o abajour que, como aquele professor ou tutor que nos ajuda e nos ensina coisas novas, alimenta com energia e segura a lâmpada, sempre preparado para nos dar mais conhecimento e nos possibilita adquirir mais habilidades.

Piano: Como o bem e o mal, que andam sempre lado a lado em sua existência, um dependendo do outro, o piano possuí teclas brancas e pretas; uma sempre completando a outra e que, durante uma peça e entre um acorde e outro, será necessário o uso dessas duas extremidades, com tonalidades tão diferentes mas que precisam umas das outras para manter-se em equilíbrio.

Bom, pessoal, esse foi o primeiro texto do blog, um que tem um gosto especial pra mim porque é de autoria de uma grande amiga minha que, veja só, vai se tornar uma das juízas para decidir se os textos mandados para cá serão ou não publicados… enfim, tenho num texto meu vindo por aí, e quem sabe uma outra colaboradora em breve… mas por enquanto, é só isso mesmo. Então, só lembrando: quem quiser ver ser texto por aqui, só mandar um e-mail para ce.coletti@hotmail.com que os melhores estarão por aqui. Então, fico por aqui. O melhor para todos vocês e até a próxima!

Como já está bem sinalizado no “sobre o blog” aí no canto esquerdo da página, o Conto do Galo é um blog no qual a participação dos leitores é extremamente importante. Além do óbvio poder de mudar o direcionamento dos textos com os comentários, a proposta aqui é trazer os contos, as histórias, os textos dos leitores para também serem lidos. É tudo uma troca de posições. De leitor ao lido. Não deixa de ser interessante a expectativa, e tenho certeza de que surgirão muitos grandes talentos por aqui.

Bom, para começar então, é melhor esclarecer bem as regras dessas publicações. É muito simples, na verdade. Quem estiver interessado em ter seu texto publicado pode mandá-lo para o e-mail ce.coletti@hotmail.com, numa mensagem o mais simples possível, com seu nome, suas preferências quanto a publicação do texto e o conto em questão. Todos os textos serão lidos e analisados, e apenas os melhores terminarão publicados no espaço do blog. Só não garanto muita rapidez nesse estágio inicial do blog, mesmo porque estou fazendo, inicialmente, o trabalho sozinho. Aliás, se alguém se interessou pela proposta e concordaria em juntar-se a mim nessa missão, por favor, mande um e-mail para o mesmo endereço aí em cima.

Bom, pessoal, acho que é só isso. Só mais dois detalhezinhos importantes. Primeiro, é claro que o devido crédito será dado a todos os autores que forem publicados, e o blog sempre estará aberto a recebê-los de volta para outras contribuições. Segundo, o blog recusará terminantemente contos eróticos ou de conteúdo adulto muito forte. Posto isso, resta dizer boa sorte a quem se arriscar, já estou esperando os textos. Ah, e seja bem-vindo ao Conto do Galo!

Sobre o Conto do Galo

O Conto do Galo é um blog de contos, crônicas, reflexões e opiniões, mas não é o blog de uma só pessoa. A proposta principal aqui, para além de publicar meus próprios textos, é dar a chance a quem tem talento de ganhar um pouco mais de visibilidade, mesmo que essa pessoa já tenha um certo número de pessoas que conhecem seu trabalho. Publicar textos, dando o devido crédito, a gente que merece esse espaço para se expressar. É um espaço livre para opiniões, dissertações e tudo o mais. Espero contar com o apoio de todos vocês nessa nova empreitada!

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