No infinito silêncio, por Bruno
Todos os dias somos presenteados com uma festa de acontecimentos a nossa volta que não pedem nenhuma atenção - um evento de cores, luzes e silêncio. A despedida melancólica do astro soçobrando a oeste do horizonte e perdendo para a escuridão o seu lugar de destaque na imensidão. A penumbra elegante, a noite arrebatadora. Incautos e negligentes deixamos de observar esse espetáculo soberbo.
Pois quando procuramos entender apenas a nós mesmos, tendemos a subestimar nosso valor; ao ignorar a Natureza, estamos, de certa forma, predestinados à Inércia. É hora de pensar como os gigantes.
Silêncio dos astros
Nietzsche contemplou por muito tempo "esse ruído fúnebre e insensato, mas suave, na encruzilhada do dia e da noite". No lamento de Zaratustra, imerso em um desejo de calúnia, profanando de modo enfático os fenômenos e a maneira como eles agem: "O silêncio de todos aqueles que brilham! Falam com a luz, mas para mim ficam silenciosos." De fato, o homem é subjugado pelo silêncio em que ocorrem as grandes transformações naturais do mundo, quando não, suas cores não deixam de espantar.
Deparar-se com os sons percorrendo os vastos espaços, a amplidão que é o mundo, o que é infinito ao nosso alcance, chamou a atenção do poeta Giacomo Leopardi. Imagem forte como a do poeta italiano gritando desvairadamente, clamando por misericórdia à Natureza, não alcançaria tamanha expressão senão mediante a redenção do homem ao infinito: o que não é possível ser tocado.
Leopardi e Nietzsche têm algo em comum: a veneração pela quietude, pelo brilho dos astros, as cores do pôr-do-sol ou a mudança das estações. Em Aurora, mais precisamente no aforismo "O grande silêncio", Nietzsche descreve as alternações de cores e a "palidez cintilante do mar" como "um eterno e mudo jogo do crepúsculo" e, segundo ele, sua imensidão é comprovada quando "não pode falar" (uma provocação nietzschiana?). Leopardi, por sua vez, não se contém diante o "sussurrar do vento", descrito nos versos imortais de "O Infinito". O que impressiona o poeta não é a exibição de cores do crepúsculo ou da aurora: a Natureza parece mais inebriante quando emite sons misteriosos, contando com o auxílio dos ventos para sua melhor dispersão - seja do sussurrante ou do inaudível -, o silêncio, sorrateiro entre a brisa, é arrebatador.
Entre os abismos gigantescos, que com o capricho da Natureza engoliu os oceanos e abandonou um legado de profundezas obscuras, é possível ouvir as lamentações de Eco, rejeitada por Narciso. Assim como a deusa punida, definhamos lentamente, vísceras transformam-se em sopro, - a voz que repete os sons incessantemente por entre as paredes imensas e planícies rochosas -; perto de nós, um brado, nossas cordas vocais, um acalanto. Para explicar um mito, recorremos ao belo e inesgotável, para explanar os homens, basta uma reminiscência tardia.
Belas divergências
A postura dos dois diante os fenômenos diferem muito. Leopardi se entrega: primeiro um fascínio, depois a integralização. Sua dor, em sua complexidade, cruza com os eventos naturais e tornam-se únicos: seu desespero inicia uma metamorfose: converte-se em poema, presente em tudo, imanente, elemento natural. O poeta encara a magnitude - a imensidão do mundo - como um pensamento, exatamente onde reside a beleza poética leopardiana: Tudo é dor. E sofrimento, pessimismo e vacuidade são castigos por sermos tão míseros e fugazes; - "as estações mortas" nos mostram a pérfida verdade: resta ao homem diminuto em sua essência, curvar-se aos fenômenos - no mais, integralizar-se a eles. O último verso do "O Infinito" exprime a sensatez poética, a nobreza diante do que nos é impossível:
É doce naufragar-me nesses mares
Mas eis que vem Nietzsche, a passos firmes, com o dedo em riste e bravejando sua vontade de poder, com um escárnio redimido ao que é gigantesco. Aos berros, proclamando ao entardecer e o mar: "Ensina o homem a deixar de ser homem! Ele deve se abandonar a vocês? Deve tornar-se como vocês são agora, pálidos, cintilantes, mudos, imensos, repousando em si mesmos? Deve elevar-se a si mesmo?" - o pensamento de Nietzsche é grandioso demais para contentar-se com o mísero corpo humano, é preciso transcender essa sabedoria ao infinito.
Mas aqui está a diferença de pensamento entre Nietzsche e Leopardi: o filósofo, provocador que é, lança um insulto às forças devastadoras, não esconde o desejo de aprender com tamanho movimento. O poeta, resignado, vê a si mesmo como parte dessa força, percebe-se como movimento: dor e desespero em eterna continuidade com o mundo - sentimentos fazem parte desse eterno porvir.
O sol se põe
Digno é quem se viu como parte indivisível do mundo - alegria e dor contrastando com o eterno e ininterrupto porvir. Pois "o que é eterno", como diria Nietzsche, "o mar os traz de volta". E o dia volta espantando as trevas, "(...) e o Sol nascente" vem intrépido "com seus trêmulos raios (...)", e tudo acontece em absoluto silêncio.
Bruno é autor do blog Temporário, onde fala sobre si mesmo, sobre história, poesia, filosofia e publica seus textos se ficção, sempre reflexivos e embasados. É sua segunda colaboração para o Conto do Galo.